Contos

A Menina das Formigas By Liége Vaz

Faz muito tempo… Lembro que era criança quando, nas primeiras chuvas do inverno, corria para olhar as formigas agitadas no quintal da minha casa, saindo do formigueiro em grande revoada.

Perfeitamente recordo desse lugar, pois está bem guardado em minha memória afetiva da infância. Era na raiz do tronco de uma maravilhosa mangueira, onde frutificavam lindos frutos doces de mangas, na época do verão, que um formigueiro instalou o seu grandioso refúgio… Mas, mesmo na estação das chuvas, essa linda árvore não perdia as suas folhagens, permanecia muito linda e frondosa o ano todo… Afinal, estamos no tropical nordeste brasileiro.

Durante esse período de chuvas, especificamente, saía de casa escondida e corria para o quintal, em meio ao frio e aos pingos que caiam do céu, para ver as formigas com suas enormes asas voarem e outras carregarem gigantescas folhas, em filas indianas, uma atrás da outra, em direção ao formigueiro. Seguia com o olhar curioso toda aquela marcha trabalhadora e, muitas vezes, verificava os caminhos que faziam, para ver de onde traziam tantas folhas e pequenos gravetos.

As formigas eram incansáveis, pois isso acontecia durante todo o dia, e muitas vezes a noite conseguia perceber que o exaustivo trabalho continuava.

Nesse processo de observação, sempre procurava manter-me calada, sem fazer qualquer tipo de alteração às suas rotinas… Exceto, é claro, de colocar alguns pequenos embaraços no trajeto… Afinal, o meu espírito era de uma criança! Contudo, elas sempre me surpreendiam, pois achavam uma nova rota, contornando o objeto da minha benéfica travessura investigativa.

Como trabalhavam as formigas! Pareciam frenéticas nas suas ações… Não demonstravam qualquer cansaço, preocupação com obstáculos ou com alguns encharcados no local que precisavam trafegar, para abastecer o formigueiro de alimento. Tinham sempre as melhores soluções para o grupo, a fim de alcançar objetivo esperado.

Muitas vezes, enquanto estava absorvida com essa magia, fui surpreendida por minha mãe, que houvera me chamado muitas vezes, a fim de retornar para dentro de casa, com sua tradicional afirmação: – Você está proibida de voltar a olhar aquele formigueiro. Tantas outras vezes isso aconteceu, que acabei ganhando dela o apelido de “a menina das formigas”. Adorava quando me ela me chamava assim… Quanta saudade desse tempo!

Também, gostava de observar as formigas no açucareiro de casa. Mas, não gostava quando alguém as retirava do açucareiro e as matava… Sempre chorava muito! Ficava sempre muito triste, quando isso acontecia. Mamãe sempre me defendia dizendo: – Não façam isso na presença da minha “menina das formigas”. E continuava, me consolando com carinho: – Afinal, formiga faz bem para a visão (crença popular). Depois me olhava com carinho e dizia bem baixinho: – Fica triste não, tem muita formiga no seu formigueiro.

Esses foram momentos inesquecíveis!

Ainda, por horas, cheguei a olhar as formigas andando no balcão da cozinha, levando o açúcar que eu mesma colocava, para facilitar o seu trabalho. Nas minhas observações percebia que primeiro uma formiga chegava no local do açúcar, depois ia embora e retornava com outras formigas, que a seguia.

Como eram organizadas!

Nessa época em que as formigas saíam voando, era costume algumas pessoas arrancarem as suas asas e assar seus corpos para comer… Meu Deus! Ficava indignada com tanta crueldade … Bastava trovejar a noite, que pela manhã as formigas voavam de sua toca… Então eram cassadas pelos que gostavam dessa iguaria. Não gosto nem de lembrar dessa prática primitiva! Rezava para que não voassem, mas era impossível controlar a natureza.

Até hoje tenho medo dos trovões!

Mais sensacional mesmo era quando viajávamos para o interior, para uma fazenda de propriedade dos meus tios… Lá minha avó materna sempre estava, para esperar os netos nas férias… Ah! Isso era espetacular mesmo… Banhos de rio, pomares carregados de fruteiras, o galinheiro com lindas galinhas poedeiras e seus pintinhos, os patos nadando no lago, os grandes cavalos e bois que pastavam livres… Mas nada me encantava mais naquele lugar do que as histórias que minha avó contava à noite, na varanda da casa grande, e as formigas que andavam livres naquele mundo tão natural e alegre.

Nas férias de meio de ano, período das festas Juninas, as comidas feitas no forno à lenha da fazenda era de dar água na boca… Pamonha, bolo de milho, canjica, pé de moleque, milho cozido e assado, bolo de macaxeira, quindim, cocada queimada… Tantas outras guloseimas. Tudo isso atraía muitas formigas… O bagaço do milho e do coco eram atrativos a essas destemidas trabalhadoras.

Lá estava eu, com minha visão de detetive, sempre observado tão queridas criaturas.

Tudo isso era um mundo somente meu… Havia um encantamento muito grande, fomentador de coisas grandiosas que são próprias da sociedade das formigas, e foram determinantes à construção da minha identidade como ser humano.

Hoje, embora seja pessoa de grande mansidão, tenho em mim muita determinação, força de vontade, autoconfiança, respeito a comunidade (indivíduos) e a natureza, senso de justiça, amor ao próximo, seriedade, lealdade, gosto pelo trabalho, aliando-se a uma capacidade estratégica muito grande, para atingir os meus objetivos.

Portanto, essas também são características das formigas, que tanto admirei na minha infância.

Em reflexão, penso sempre no como os ensinamentos desse pequeno inseto foram tão importantes na minha vida… A infância é um grande momento para observar as crianças nas suas muitas notoriedades impulsivas e investigativas. Basta que deixemos que a liberdade e a criatividade sejam nelas aguçadas naturalmente….

A natureza, por si só, tem muito a oferecer de conhecimento empírico aos nossos pequeninos.

 

– Liége Vaz – 20/junho/2017 – Olinda/PE-BR.

 

Direitos reservados Liége Vaz

Imagem Google: http://conversasdameninacomomundo.blogspot.com.br/2015/04/4.html

 

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4 comentários

  1. Janaina Manso diz:

    Lindo o conto! Momentos vividos na sua infância… Revivendo na memória às lembranças de uma época feliz. Adorei!

    1. Sim, Janaína Manso, as nossas histórias de vida ficam guardadas em nossa memória e,por algum fato qualquer, ressurgem trazendo doces lembranças,como essa que relatei. Beijos e feliz por seu comentário carinhoso;

  2. Stella gatis diz:

    Lindo minha amiga…esse conto me fez lembrar das histórias que meu avô paterno contava .Na minha infância não existia Tv.Então após o jantar os netos e amigos, reuniam nos ., e ele começava a seção. Era pura felicidade.Tambem tem um momento que ele contou que estava em um acampamento dormindo., ai tinha tanta formiga ., que levou ele pra fora da tenda. ATE HOJE IMAGINO A CRIATIVIDADE DELE.Seu George Gatis…..

    1. Stella, muito doce seu comentário! Você tem razão… Somos felizes porque tivemos avós contadores de histórias, que estão em nossos corações até hoje. Obrigada querida! Beijos
      PS. Vou publicar outras da minha infância. Continue lendo!

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