Crônicas

Recife Não Sai De Mim By Liége Vaz

A cidade do Recife, mais conhecida como a “Veneza Brasileira”, é meu berço natal. Essa possui pontes centenárias e lindos casarios preservados, que se misturam a uma arquitetura moderna e arrojada de grande arranha-céus. Nesse contexto, reconstruo a minha vida como um quebra-cabeças, cuja memória afetiva resgato dos registros da minha infância, adolescência e parte de minha juventude.

Nesses períodos vivi no bairro da Boa Vista, onde nasci e me criei, sendo assídua frequentadora das missas da igreja do Colégio Salesiano que, ao saímos das orações de domingo, íamos todos para a sorveteria Free Sabor, que era o ponto de encontro das famílias. Todas essas coisas agora fazem parte do meu passado, mas foram salutares e deram força à construção da minha identidade como pessoa.

A minha história está entrelaçada nas calçadas das ruas que caminhei nesse bairro, nos muros que me atrevi equilibrar, sobre o olhar de desaprovação da minha mãe. São recordações importantes as muitas brincadeiras de criança, como: bonecas, panelas de bonecas, pular corda, pega bandeira, queimado, amarelinha, quebra panela, andar descalça na chuva, correr de pega pegou, passarás, passar anel, escravos de Jô, andar de bicicleta, subir nas árvores do quintal e tantas outras… Quanta felicidade!

Saudade das escolas que estudei… Também. dos bailes de sábado da juventude local em casas de famílias amigas, com canções dos The Beatles, da Jovem Guarda… O iê iê iê com a festa de arromba de Roberto Carlos e Erasmo Carlos… Também Vanderleia, Eduardo Araújo, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, Martinha, Trio Ternura… Lembrando o calor do Twist que tanto fez sucesso nessa época, entre outros ritmos.

A alegria das festas de São João, com fogos coloridos estourando multicoloridos no céu de noites estreladas… Quermesses, fogueiras incandescentes na frente de todas as casas, quadrilhas de São João, prendas, roupas de matutos… O forró pé de serra tocando na sanfona, zabumba e triângulo. Não esquecendo a comidas maravilhosas – Canjica, pé de moleque, pamonha, quindim, mungunzá, bolo de massa de mandioca na palha da banana, tapioca, bolo de macaxeira, bolo Souza Leão, milho cozido e assado, entre tantos outros.

A mesa era sempre farta e cheia de guloseimas nas casas das famílias durante todo o ano. Tudo muito caprichado e cheio de tradição nordestina bem secular.

O Natal tão esperado trazia muita alegria com os presentes do Papai Noel. Os dias de carnaval eram com muita diversão… Havia o corso na avenida Conde da Boa Vista e terminava a noite nos Clubes Português e Internacional. Para as crianças e os mais jovens haviam as matinês, onde as famílias podiam se divertir sem qualquer preocupação, pois o ambiente era de grande tranquilidade, confiança, respeito e alegria.

Não podemos esquecer os Cinemas Politeama, Boa Vista e São Luís. Quantos filmes foram vistos nesses espaços de entretenimento. As películas eram encantadoras. Sentíamos como se estivéssemos em outro mundo. As cadeiras eram acolchoadas e havia muito conforto e deslumbramento. Como era bom comer aquele saco de pipocas enquanto esperávamos o início do filme. Sem falar no homem da lanterninha que vez por outra passava calmamente, fiscalizando o espaço, enquanto era passado o filme.

Uma outra coisa era a presença constante dos meus avós, que preenchiam com carinhos e mimos todos os finais de semana de todos os netos – muita magia com os dois, histórias contadas pela doce vovó Clara e chocolates trazidos pelo calmo vovô José… Muitos primos vinham para nossa casa, aumentando a alegria desses dias. O melhor era quando íamos para casa da Tia Liége aos domingos, que na sua doçura, mesmo limitada por ser cadeirante, nos acolhia com carinho e com muitas comidas gostosas. Essa minha tia foi uma segunda mãe para mim… Quantas vezes ela disse que tinha muitos sobrinhos, mas que eu era a sua preferida. Fomos muito ligadas espiritualmente, estive com ela até o último momento que nos deixou. Hoje carrego o nome dela como escritora… Isso me deixa muito alegre por poder homenageá-la!

Não fui uma adolescente namoradora, embora todos dissessem que eu era uma garota belíssima. Mas era muito tímida e estudiosa, preferia a companhia das minhas colegas de colégio. Dava muita atenção aos estudos. Mesmo assim tive um único namoradinho, que morava no edifício ao lado do meu. Foi amigo de infância de meus irmãos mais velhos… Sonhava com ele e me sentia muito apaixonada, tinha somente 14 anos. Dei meu primeiro beijo nele, foi inesquecível e nunca mais esqueci. Algo muito doce e sincero, sem os avanços que tanto hoje se pratica. Tudo era muito comportado… Os irmãos mais velhos vigiavam o tempo todo as irmãs, e sempre estávamos acompanhadas de alguém da família. Mas não deu certo… Cada um seguiu seu caminho. Nunca mais vi esse rapaz! Espero que seja muita feliz.

Hoje ainda sinto o mesmo cheiro da minha doce Recife de outrora, que se espalha nas ruas cortadas pelo Rio Capibaribe… Abraçada pelo Oceano Atlântico. Toda a sua extensão está em minha mente gravada. Toda sua agitação barulhenta cresce e se expande como metrópole, abrindo novos espaços para a vida…

Caminho de olhos fechados por suas ruas de calçadas e árvores… Sei cada passo que vou dar e me sinto guiada pela imaginação… Pelos sons e cheiros. Tudo tem a ver com a minha vida…

Não são labirintos irreais. São intimidades que se fundem no coração de quem sente amor por suas raízes, e que está escrito no coração. O livro da minha própria existência está permeado por esse clima quente tropical sem estações do ano definidas, céu azul majestoso, coqueiros que balançam ao vento, mar de águas mornas, os costumes populares, a História de povo valente e guerreiro, adoçada pelos inúmeros frutos que brotam o ano todo (cajá, caju, goiaba, pitanga, mangaba, araçá, carambola, manga, sapoti, jaca, jabuticaba, cana de açúcar, mamão, laranja, melão, seriguela, banana, melancia, uva, e tantas outras), além de uma infinidade de flores que estão vivas em nossas praças e canteiros.

Ah! somos gente simples nordestina que vive a beleza de ter sido agraciado por Deus para viver em um lugar lindo e abençoado. Tudo isso tem sabor de felicidade em meu coração orgulhoso de ser recifense. Pernambucana por excelência!

-Liége Vaz- 21/abril/2017 – Olinda/PE-BR

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