Contos

Uma Noite Eternizada Da Infância By Liége Vaz

A noite estava chegando calmamente. O Sol, com o seu majestoso crepúsculo, manchava de alaranjado o céu, deixando suas nuances nas folhagens das árvores do quintal da nossa casa.

Era um acontecimento enternecedor de se observar…  Os pássaros se recolhiam nos galhos e faziam barulho como se estivessem conversando, a procura do melhor lugar para dormir. O cachorro latia bravamente com aquela bagunça que era feita pelas aves, buscando o seu aconchego noturno.

De repente, toda aquela magia foi se dissipando e nuvens pesadas de chuvas começaram a se formar, anunciando que teríamos muita água caindo por toda a madrugada. Corri para casa, ao ver que a minha mãe apressada recolhia as roupas secas do varal, ao mesmo tempo que exigia que estivéssemos todos sobre a proteção do lar.

Lembro bem, era mês de setembro, quase outubro. Estávamos na primavera, e muitos ninhos estavam cheios de ovos e de pequeninos que se cercavam dos cuidados dos pais. Senti muita tristeza, pois havia perguntado a mamãe como ficariam os passarinhos com toda aquela chuva. Calmamente, ela me disse: –  Papai do Céu tomará conta de todos, assim como tem feito conosco.

Tinha nessa época cerca de sete anos de idade, e essa explicação não confortou o meu coração de criança. Olhava pela vidraça da janela do meu quarto e, na minha inocência, conseguia ver o volume da torrencial chuva, assim como um alagamento que se formava no oitão de casa, próximo aos pés das fruteiras que ali estavam plantadas.

Meus pensamentos eram voltados somente para a falta de um abrigo seguro que desse proteção as aves, que estavam nas árvores do nosso quintal.

Recordo-me bem que nessa noite não consegui dormir. A cada latido do nosso cão ficava sobressaltada e levantava para olhar pela janela, para ver como estavam as coisas do lado de fora da casa.

A chuva continuava caindo.

Em certo momento, minha avó, que dormia ao lado da minha cama, levantou e chegou perto de mim. Passou suas mãos doces e macias nos meus cabelos, abraçando-me por alguns instantes. Engraçado é que hoje olho a foto dela e a vejo tão pequenina e frágil, mas nessa época parecia ser uma gigante a me confortar.

Nesse instante, olhando-me nos olhos com doçura e carinho, disse: – Querida! Não guarde medo no seu coração. Sei que está a pensar no bem-estar das aves que estão na chuva. Mas tenha certeza que elas estão bem, pois sabem se cuidar nesses momentos.

Fomos então para cozinha, sem fazer barulho, para não acordar os meus irmãos. Então vovó fez um leite quentinho com canela e mel para nós duas, servindo acompanhado de um prato de biscoitos, que havia feito naquele dia. Ficamos por algum tempo sentadas degustando aquela fabulosa guloseima e, depois, no calor do abraço da minha doce avó, dormi em sua cama me sentindo mais feliz.

O dia amanheceu ensolarado, trazia apenas algumas nuvens brancas como algodão no firmamento. Tomei café e corri para ver como estavam os ninhos nas árvores e, para minha surpresa, tudo estava no mesmo lugar de sempre… Os pássaros voavam alegres, e havia grande cantoria.

Com o coração em exultante, corri de volta para casa e disse alegre: -Mãe, bem que a senhora disse, Papai do Céu toma conta de verdade de todos nós e dos animais também.

Não lembro mais do que aconteceu desse episódio em diante, mas sei hoje que a minha infância foi por demais importante, para a construção da minha identidade com pessoa. Viver cercada pela natureza e dos bons exemplos que me foram repassados por minha mãe e avó foram indeléveis, para que eu me tornasse uma pessoa melhor, buscando manter-me condizente com a ética e a moral, respeitando o mundo e todos os indivíduos que nele estão inseridos.

 

Direitos reservados Liége Vaz

Imagem Arquivo Pessoal.

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